A recente polêmica causada pelas declarações patéticas do também patético deputado Bolsonaro me trouxe uma velha conclusão: nós, brasileiros, somos alienados e tolerantes demais. Por coincidência, eu estava bisbilhotando meus arquivos e me deparei com um artigo que escrevi para o Jornal do Commercio em 2006, logo após a eliminação da seleção brasileira na copa. O texto é sobre o patriotismo relâmpago em épocas de copa e o estado de letargia citado acima. Acho que vale a leitura.
A hora do verde-amarelo
Publicado em 25.07.2006
CARLOS EDUARDO DE
QUEIROZ LIMA FILHO
A falta de mobilização dos brasileiros diante da indiscutível grave situação social do País está cada vez mais contagiante, como uma doença que se alastra e causa moleza e desinteresse. Diariamente chegam ao nosso conhecimento ações de crime organizado, paralisações nas máquinas públicas, casos de exploração infantil, assassinatos em sinais de trânsito, desvios de verba no governo, mortes por deslizamento de terra e outros inúmeros acontecimentos que escancaram a imensa fragilidade da sociedade em que vivemos. No entanto, ninguém fala nada, ninguém levanta a voz. No Brasil, pessoas que deveriam estar isoladas em presídios, pagando por crimes contra a sociedade, têm o poder de parar a maior metrópole da América Latina, uma cidade conhecida por não parar. Em qualquer país onde a população tenha senso de responsabilidade sob o que acontece dentro de suas fronteiras, a resposta viria em forma de revolta generalizada. No entanto, a única coisa capaz de nos fazer ir às ruas, de despertar nossas emoções e mexer com o orgulho de ser brasileiro é o futebol. É preciso que haja uma Copa do Mundo para o País vestir suas cores.
Há tempos nenhum ladrão (seja lá de que nível da pirâmide hierárquica dos ladrões brasileiros) causava tanta indignação quanto causou o técnico Carlos Alberto Parreira por não escalar o time “ideal” durante a Copa. Roberto Carlos então, não houve mensalão que manchasse mais o orgulho nacional quanto o erro de marcação do camisa 6 da seleção no gol que deu a vitória a França. Durante todo o mês de junho e começo de julho, os jogadores brasileiros foram o assunto central do nosso dia-a-dia. Os quilos a mais de Ronaldo foi tema de debates fervorosos com direito a comentaristas ilustres e, por fim, fomos telespectadores de um verdadeiro Big Brother, com direito a noitadas, bolhas, namoradas, familiares dos participantes e até Pedro Bial.
Diante desse quadro, me pergunto: como seria se a imprensa, a publicidade e, principalmente, a população, concentrasse tanta paixão e interesse na situação social do País, quanto concentra na Seleção Brasileira? Será que nos tornaríamos todos especialistas em cidadania? Será que teríamos opiniões convictas de como vencer nossos maiores adversários, como a precariedade do ensino primário e médio? Teríamos táticas ofensivas para bater a fome e o desemprego? Estratégia segura para nos defender de ataques criminosos? Quem seriam nossos heróis? Será que, diante desse despertar de consciência, passaríamos a ter outra identidade, que não a do país do samba e do futebol?
O fato é que, com nossa derrota na Copa do Mundo, as bandeiras estão sendo recolhidas e o verde-amarelo dos muros e ruas está novamente dando lugar à paisagem comum. Os rostos pintados estão sendo substituídos por fisionomias pálidas. O estado de anestesia em que vivemos não nos permite sentir que, justamente a partir de agora, precisamos nos mobilizar para um outro evento, que também acontece de quatro em quatro anos. Diferentemente da seleção brasileira, em outubro, teremos a oportunidade de escolher, nós mesmos, os representantes do nosso País. São dessas pessoas que devemos cobrar empenho, garra e determinação. São eles que devem honrar nossa camisa e dar o sangue por ela. Eles, sim, têm a obrigação de levar o Brasil à superação e trabalhar visando o sucesso coletivo. Mas para isso acontecer, não basta ficar na torcida. Precisamos nos levantar e agir.
Carlos Eduardo de Queiroz Lima Filho é publicitário. E-mail: ce_queiroz@yahoo.com.br